Estratégia diplomática mira recursos internacionais para capitalizar fundo de preservação com retorno financeiro aos investidores
Fundo florestal mira aporte bilionário e retorno aos países tropicais
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou publicamente uma estratégia de constrangimento diplomático para impulsionar a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). A proposta tem como objetivo levar países ricos a aportarem entre US$ 20 bilhões e US$ 25 bilhões iniciais no fundo, especialmente após o presidente Lula ter se comprometido com um investimento de US$ 1 bilhão por parte do Brasil.
A meta é apresentar a proposta oficialmente durante a COP30, marcada para Belém, como algo “irrecusável”. Porém, na prática, o desafio é bem mais complexo.
O que prevê a proposta do TFFF
- Meta de capitalização: R$ 125 bilhões antes de o fundo começar a operar.
- Modelo: Ao invés de doações, países e empresas emprestariam recursos ao TFFF, que investiria os valores em ativos de baixo risco, com retorno financeiro.
- Retorno: Os lucros seriam divididos entre:
- Até 70 países tropicais (com teto de US$ 4 bilhões ao ano), com cotas obrigatórias para povos indígenas;
- Investidores, que receberiam o principal e parte dos lucros.
O modelo é descrito como um arranjo “ganha-ganha”: promove preservação ambiental com retorno financeiro. No entanto, sua viabilidade depende de governança confiável, estabilidade de rendimento e confiança internacional.
Onde a estratégia emperra
1. Constranger não é convencer
O uso da palavra “constranger” — eficaz no Congresso — pode gerar resistência internacional. Membros do G7, por exemplo, enfrentam restrições fiscais e parlamentos cautelosos com novas obrigações ambientais. A abordagem pode ser mal interpretada como pressão política.
2. Doação ou empréstimo?
Embora o discurso fale em “doar”, o modelo do TFFF é baseado em empréstimos. Isso levanta dúvidas: quem arcaria com o custo político se for doação? E se for empréstimo, quais as garantias e retornos reais em ambiente de juros baixos?
3. Promessa de retorno financeiro
Para entregar até US$ 4 bilhões/ano em lucros aos países tropicais, o fundo precisaria render cerca de 3% ao ano sobre um patrimônio de US$ 125 bilhões. Isso é viável com juros altos, mas pode ser insustentável se o mercado entrar em ciclo de baixa de juros.
4. Governança e elegibilidade
Quem decide os repasses? Com quais critérios? Como garantir auditoria independente e evitar politização do fundo? Sem transparência e regras claras, o TFFF pode ser visto como uma “caixa-preta”, afastando investidores.
O cálculo político do governo Haddad
- Internamente, o governo quer vender a imagem de liderança climática e captação de “dinheiro novo” para a Amazônia, com Lula como anfitrião da COP30.
- Externamente, busca apresentar um instrumento financeiro robusto para atrair aportes — e não apenas retórica ambiental.
- Risco: A narrativa de “constrangimento” pode gerar manchetes negativas em países decisores, prejudicando adesões.
Quem apoia e quem critica a proposta
- Apoiadores: Setores ambientais e parte do mercado enxergam potencial no modelo perene, com governança financeira e previsibilidade.
- Críticos: Contribuintes dos países doadores e opositores internacionais questionam se o fundo traz dinheiro novo ou só reembalagem, além de preocupações com governança e prioridades nacionais.
- Países receptores: Em geral, apoiam, mas exigem prazos, cheques e cronogramas concretos, não apenas um modelo no papel.
Pontos cruciais até a COP30
- Termos financeiros claros: taxa de retorno, prazo, colchão de perdas e rating esperado.
- Governança confiável: composição do conselho, indicadores de desempenho (ex: desmatamento evitado, emissões, inclusão social), auditoria externa.
- Investidores-âncora: sem players públicos ou privados que ancorem o fundo, o “constrangimento” pode não sensibilizar outros investidores.
- Projetos elegíveis e replicáveis: sem pipeline confiável, o fundo pode captar recursos, mas não conseguir executar os desembolsos.
Ao tentar transformar retórica climática em mecanismo financeiro, Haddad aposta na pressão internacional como acelerador. O modelo pode funcionar se houver regras sólidas, risco precificado e governança blindada. Sem isso, corre o risco de virar apenas mais um anúncio vistoso em conferência climática, com pouca efetividade na preservação real.