Em ofício a Moraes, delegado da corporação afirma que críticas à operação seriam usadas para “descredibilizar autoridades” e compara conduta à de “milícia digital”
A Polícia Federal (PF) encaminhou nesta segunda-feira (20) um ofício ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que propõe abrir um novo inquérito contra advogados e jornalistas que têm criticado a prisão de Filipe Martins e a condução da Operação Tempus Veritatis.
O documento foi assinado pelo delegado Fábio Alvarez Shor, da Coordenação de Contrainteligência da PF, e protocolado no âmbito da Ação Penal 2.693. O pedido foi feito em resposta à determinação de Moraes para que a Polícia Federal explicasse a origem de um suposto registro de entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos, datado de 30 de dezembro de 2022.
PF amplia escopo do ofício e fala em “milícia digital”
Em vez de se limitar a esclarecer o registro migratório, a PF utilizou o ofício para ampliar o escopo da apuração. No texto, Shor afirma que críticas públicas à investigação estariam sendo usadas para “descredibilizar provas e autoridades”, o que, segundo ele, justificaria a abertura de um novo procedimento apuratório.
O delegado chega a comparar as manifestações de advogados e comunicadores à “atuação de uma milícia digital”, conceito originalmente empregado pelo STF para se referir a redes de desinformação e ataques às instituições.
“Não se pode olvidar que essa circunstância envolvendo a prisão de Filipe Garcia Martins Pereira tem sido utilizada como prática de novas ações de embaraçamento […]. A metodologia observada ostenta semelhança com a atuação da ‘Milícia Digital’ investigada no INQ 4874/DF”, escreveu Shor.
O texto menciona ainda que essas práticas envolveriam “a propagação de informações falsas por meio de influenciadores digitais e, até mesmo, de advogados que possuem posição de autoridade perante o público de interesse”.
A controvérsia sobre o registro migratório
O ponto central do caso é o registro de entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos, encontrado pela PF em sistemas do Customs and Border Protection (CBP), órgão do governo norte-americano.
O dado — referente à cidade de Orlando, em 30 de dezembro de 2022 — teria sido obtido por meio de consulta pública ao site do Department of Homeland Security (DHS) e reforçado por informações coletadas nos arquivos de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
Entretanto, em 10 de outubro de 2025, o CBP divulgou uma nota oficial reconhecendo a inserção indevida de informações no sistema, o que colocou em dúvida a autenticidade do registro utilizado pela PF como base da investigação.
A hipótese de adulteração de dados migratórios levantou duas possibilidades: ou houve manipulação direta dentro do sistema norte-americano, o que implicaria interferência de agentes estrangeiros, ou houve falta de diligência da PF, que teria adotado uma consulta pública sem verificação oficial como prova válida.
Ampliação do conceito de “milícia digital” preocupa juristas
Ao incluir advogados e jornalistas no escopo do termo “milícia digital”, a PF expande o conceito originalmente usado pelo STF, passando a associá-lo não apenas a redes de desinformação, mas também a críticas jurídicas e jornalísticas.
Especialistas veem a iniciativa como um movimento preocupante, por confundir crítica pública e exercício de defesa com práticas criminosas de ataque às instituições.
O caso segue sob análise do ministro Alexandre de Moraes, que deve decidir se autoriza ou não a abertura de um novo inquérito a partir do pedido da PF.
Confira a manifestação da defesa de Filipe Martins
“A defesa de Filipe Martins vem a público para denunciar o conteúdo autoritário do ofício encaminhado ao Supremo Tribunal Federal em 20 de outubro de 2025 pelo Delegado Fabio Alvarez Shor, um documento que, sob a aparência de relatório técnico, é na verdade uma tentativa de criminalizar a advocacia, a imprensa e a cidadania, além de uma confissão de incompetência, má-fé e desvio de finalidade.
Nesse documento, o delegado responsável pela farsa da “trama golpista” ultrapassa todos os limites que separam o Estado de Direito do arbítrio.
Incapaz de justificar sua própria negligência e as terríveis ‘omissões’ que levaram à prisão ilegal e abusiva de Filipe Martins, ele tanta atacar advogados, jornalistas e parlamentares que denunciaram a prisão arbitrária, acusando-os de integrarem uma suposta ‘milícia digital’ por ‘descredibilizarem’ as alegações (falsas) feitas por ele próprio.
Esse parágrafo, digno das páginas mais escuras de uma ditadura, é a confissão mais eloquente de culpa que uma autoridade pode produzir.
Quando o Estado precisa demonizar quem faz perguntas, é porque não tem resposta. Quando tenta intimidar advocacia por fazer seu trabalho, é porque não tem prova e se apoia em alegações extremamente frágeis. E quando transforma o contraditório em crime, é porque já não distingue justiça de vingança.
1. Um relatório travestido de defesa pessoal
O documento encaminhado ao STF não é um relatório técnico, é uma tentativa desesperada de auto-preservação de quem sabe que terá que responder por sua conduta autoritária, negligente e abusiva. Nele, o delegado tenta justificar, retroativamente, uma prisão sem fundamentos, transformando o inquérito em palanque para defender sua própria reputação.
Na ânsia de salvar-se, admite o inconfessável: prendeu sem investigar, sem realizar diligências, sem colocar à prova a hipótese de ‘risco de fuga’.
2. Da negligência da autoridade policial
Em nenhum momento antes ou após a prisão de Filipe Martins houve qualquer diligência real para averiguar o falso risco de fuga:
• Nenhuma consulta a cadastros governamentais;
• Nenhum ofício a companhias aéreas;
• Nenhuma requisição a instituições financeiras;
• Nenhuma pesquisa em bases públicas;
• E sequer uma simples verificação na internet ou no Diário Oficial da União.
Se tivesse feito o mínimo, o que qualquer estagiário poderia ter feito em poucos minutos, teria descoberto que a lista oficial de passageiros do voo presidencial, sem o nome de Filipe, era pública desde janeiro de 2023; que em 31 de dezembro Filipe Martins realizou um vôo doméstico de Brasília para o Paraná; que fixou residência na cidade de Ponta Grossa, onde vivia normalmente, utilizando seu número telefônico, recebendo contas em seu nome e fazendo utilização de seus cartões de crédito e de débito.
2. A verdade que tentaram esconder
A aparente negligência se torna ainda mais grave quando se constata que, desde outubro de 2023 (quatro meses antes da prisão), a Polícia Federal já monitorava Filipe Martins através de seus dados telefônicos de geolocalização e sabia exatamente onde ele esteve durante todo o ano de 2023 e 2024, até sua prisão: em sua residência, em território nacional, vivendo normalmente e atendendo a todas as demandas da justiça. Ou seja: sabiam que ele não estava foragido e mesmo assim sustentaram essa mentira para justificar uma medida abusiva.
Trata-se de falsidade deliberada e de evidente desvio de finalidade, não de simples equívoco.
3. Prisão como método de tortura psicológica
A prisão de Filipe Martins não serviu à Justiça, serviu à chantagem. Foi usada como instrumento de pressão, para tentar arrancar delações forçadas e fabricar narrativas convenientes contra o ex-Presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes da oposição democrática ao Governo Lula.
Nada mais distante do devido processo legal: o que se viu foi a instrumentalização da liberdade de um homem inocente e a manutenção prolongada e injustificada de uma prisão para tentar extrair falsas confissões e delações. Essa é a essência do lawfare: transformar o Estado em verdugo, e o direito em arma.
4. A tentativa torpe de silenciar advogados e jornalistas
Em uma passagem que envergonharia qualquer instituição séria, o delegado abandona a investigação e parte para o panfleto, insinuando que advogados, jornalista, parlamentares e influenciadores que questionam o processo fariam parte de uma ‘milícia digital’. Essa afirmação é tão absurda quanto reveladora: quando não conseguem responder com provas, recorrem à injúria institucional e à intimidação autoritária.
Criminalizar o exercício da advocacia e o livre debate público é tática de regimes autoritários. Questionar e impugnar alegações da acusação é precisamente a função da Defesa Técnica, mas o Sr. Fabio Shor deseja criminalizar qualquer um que não aplauda suas alegações irresponsáveis, negligentes e infundadas.
Nenhum servidor público tem autoridade moral para ofender a advocacia brasileira, protegida pelo artigo 133 da Constituição, ou para atentar contra a Liberdade de Imprensa e a Liberdade de Expressão, pilares essenciais da Democracia.
5. Um caso que marca época
O relatório da Polícia Federal não reforça a acusação. Pelo contrário, a implode por dentro e demonstra toda a sua fragilidade. Ao admitir que prendeu sem investigar, o delegado transforma sua própria narrativa em prova de arbitrariedade. A tentativa de defender-se só serviu para expor o rosto real da perseguição política no Brasil: um aparato policial disposto a tudo para manter uma mentira de pé.
7. Providências
A defesa não se deixará intimidar e irá:
• Requerer ao STF o desentranhamento integral dos trechos que criminalizam advogados e jornalistas, por afronta à Constituição e à Lei 8.906/94;
• Peticionar pela apuração disciplinar e funcional da conduta do Delegado Fabio Alvarez Shor, que reconhece ter requerido prisão sem diligências prévias;
• Solicitar formalmente a produção de todas as provas suprimidas, inclusive as já disponíveis em poder das autoridades;
• Representará ao TCU para apurar desvio de finalidade e uso de recursos públicos em causa própria.
• Solicitará comunicação à CGU e ao MPF para providências cíveis e penais correlatas, à luz dos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade e da fiscalização contábil, financeira e orçamentária;
• E representar à OAB Federal contra a tentativa de intimidação do exercício da advocacia.
8. A Justiça tem um encontro marcado com a verdade
Nada é mais corrosivo para um processo do que a mentira oficial. E, quando até o inquérito admite o que antes negava, a farsa chega ao fim. O caso de Filipe Martins não é um erro, é um espelho: mostra até onde um Estado sem freios pode ir quando decide que a inocência de alguém é um problema a ser resolvido, não uma verdade a ser reconhecida.
A fraude no sistema migratório americano e o uso indevido desses dados está sob investigação nos EUA, por iniciativa da Defesa. Essas investigações determinarão as circunstâncias exatas dessa fraude, da violação dos sistemas americanos e da proteção de dados sob aquela jurisdição, além do eventual envolvimento de autoridades brasileiras no ocorrido.
Jeffrey Chiquini
Ricardo Scheiffer Fernandes
Ana Barbara Schaffert
Raul Torrao
Procedimento padrão do sistema. Eles não investigam a ilegalidade, mas querem investigar quem expõe as ilegalidade dos órgãos oficiais… Isto so demonstra que estão seguindo a cartilha da esquerda….