Aparelho apreendido pela PF vira ponto-chave e ameaça expor conexões entre governo, Centrão e Judiciário
A apreensão do celular do banqueiro Daniel Vorcaro, proprietário do Banco Master, durante a Operação Compliance Zero, transformou o caso em um dos temas mais sensíveis da política e do sistema financeiro em Brasília. O aparelho, recolhido pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos no momento da prisão do empresário, passou a ser encarado por parlamentares, ministros, assessores e operadores políticos como uma possível “bomba de fragmentação”, capaz de revelar vínculos capazes de atravessar governo, Centrão e oposição. A informação é da Gazeta do Povo.
Segundo fontes próximas às investigações, o dispositivo registra uma extensa lista de contatos acumulados nos últimos anos. A PF já identificou conversas com governadores, senadores, deputados, ministros de Estado e integrantes do Judiciário. Embora a simples existência de diálogos não caracterize irregularidade, todo o conteúdo será submetido a uma varredura.
A perspectiva de que mensagens, áudios e registros telefônicos revelem articulações pouco conhecidas provocou apreensão entre políticos de diferentes grupos. A defesa de Vorcaro afirmou apenas que não comenta casos específicos, alegando sigilo bancário, e reiterou que o banco “sempre atuou com transparência, rigor regulatório e total conformidade”.
O constitucionalista André Marsiglia avalia que a prisão do banqueiro desencadeou pressões silenciosas nos bastidores, culminando em sua soltura no fim de semana mediante tornozeleira eletrônica. Para ele, Vorcaro tem potencial para “desestruturar o tabuleiro político”: “Se ele falar, pode derrubar os poderes da República. Pode ser a delação do fim do mundo”.
Suspeita de lobby político e articulações no Congresso
As investigações indicam que o banqueiro contava com forte rede de aliados no Centrão. Um dos episódios apurados envolve a tentativa de barrar, no ano passado, a criação de uma CPMI para investigar operações do Banco Master. Na ocasião, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) denunciou a existência de um “lobby pesado” contra a comissão, alertando que “tem gente que tem preço”.
Outro ponto sensível envolve a tentativa de inserir, na PEC da autonomia financeira do Banco Central, a chamada “emenda Master” — que ampliaria de R$ 250 mil para R$ 1 milhão a garantia do FGC, justamente o principal produto oferecido pelo banco de Vorcaro.
Governadores também podem entrar no radar, sobretudo aqueles que autorizaram compras de ações do Master, como o Banco de Brasília (BRB). A PF suspeita que tais movimentações buscavam “abafar a fiscalização” do Banco Central, além de examinar aportes bilionários oriundos de um fundo com possível ligação ao crime organizado.
Marsiglia destaca que as conexões de Vorcaro vão além do Congresso: “Ele tem e já teve relações com o governo, com o Centrão e com ministros do STF”.
O conteúdo digital: a “bomba-relógio”
Investigadores afirmam que os dados mais comprometedores podem estar no celular apreendido. O aparelho pode conter registros de:
- pressões políticas;
- pedidos e indicações;
- repasses ligados a financiamentos de campanha;
- tratativas envolvendo interesses públicos e privados.
Para integrantes da PF, o caso já integra a lista dos maiores escândalos financeiros da história recente. Mas o impacto político pode ser ainda maior, atingindo governo, oposição, lobistas e operadores que se aproximaram do banqueiro ao longo dos anos.
Encontros, consultorias e relações institucionais
Em 2022, Vorcaro patrocinou um jantar em Nova York para ministros do STF — evento sem indícios de irregularidade. Também contratou o escritório da advogada Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, em uma relação profissional sem qualquer apontamento de ilegalidade. A advogada não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) acionou a PGR para investigar possíveis conexões entre escritórios de advocacia e supostos créditos fictícios vinculados ao Master, citando reportagens que mencionam contratações destinadas a influenciar negociações com órgãos públicos. O parlamentar ressaltou que não há indícios de ilícitos pelos escritórios, mas que a amplitude das contratações levanta dúvidas.
Outro nome mencionado é o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que, após se aposentar do STF em 2023, prestou consultoria jurídica ao Banco Master e participou do comitê consultivo estratégico da instituição. Segundo sua assessoria, ele deixou essas funções ao assumir o ministério.
Suspeita de vazamento da operação
Vorcaro foi preso em 17 de novembro enquanto embarcava para Dubai. Investigadores acreditam que ele já sabia da ação policial e antecipou a viagem. A defesa nega e afirma que o banqueiro viajava a negócios, tendo comunicado previamente ao Banco Central sobre negociações envolvendo a venda do conglomerado Master.
A PF não comenta investigações em curso, mas relatos indicam que a instituição antecipou o cumprimento dos mandados após suspeitar que a operação tinha vazado.
A ascensão meteórica do Banco Master
Em cinco anos, Vorcaro transformou o antigo Banco Máxima no Banco Master, expandindo agressivamente a base de investidores por meio de CDBs com juros acima do mercado. Os ativos cresceram de R$ 36 bilhões (2023) para R$ 63 bilhões (2024).
O MPF aponta que parte desse crescimento estava apoiada em:
- ativos pouco líquidos;
- precatórios sem lastro;
- créditos consignados simulados.
Para o criminalista Márcio Nunes, operar um esquema dessa dimensão exigiria forte influência política e econômica: “É difícil acreditar que a situação, se irregular, não fosse do conhecimento de autoridades”.
O Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Master, acionando o maior resgate da história do FGC: dos R$ 41 bilhões em CDBs emitidos, 1,6 milhão de investidores terão ressarcimento — consumindo cerca de um terço do caixa do fundo.
Economistas apontam que os custos devem recair sobre o mercado e os investidores, já que bancos repassam o valor das contribuições ao FGC por meio da remuneração dos títulos.
Investigação financeira atingiu valores bilionários
O caso ganhou novo fôlego na CPI do Crime Organizado, quando o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, informou que o esquema pode ter movimentado R$ 12 bilhões e que foram apreendidos R$ 1,6 milhão em espécie na casa de um dos investigados.
As apurações indicam que o Master teria emitido R$ 50 bilhões em CDBs sem garantir liquidez para honrá-los. Além disso, parte da operação envolveu créditos inexistentes vendidos ao BRB, que teria pago R$ 12,2 bilhões sem documentação suficiente — valor usado para reforçar o caixa do banco, segundo a PF.
A defesa de Vorcaro nega totalmente a fraude e sustenta que os créditos eram de terceiros e substituídos de boa-fé ao identificar inconsistências. Também afirma que as carteiras nunca chegaram a ser transferidas definitivamente ao BRB.
Vorcaro chegou a ser transferido para o CDP 2 de Guarulhos, mas foi solto no fim de semana e agora cumpre medidas restritivas.