Decisão de Mendes concentra no PGR pedidos de impeachment de ministros do STF e acirra embate com Congresso
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de atribuir exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) o direito de solicitar o impeachment de ministros da Corte provocou forte reação entre parlamentares da oposição, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
A mudança, firmada em decisão liminar, afastou a regra da Lei 1.079/1950, que prevê que qualquer cidadão pode apresentar denúncia de crime de responsabilidade ao Congresso Nacional contra ministros do Supremo.
Seif: “blindar ministros fere a separação de Poderes”
O senador Jorge Seif (PL-SC) acusou o STF de ultrapassar suas funções ao alterar o alcance da lei e, na visão dele, criar um escudo indevido em torno dos ministros.
Segundo Seif, o tribunal vem modificando interpretações constitucionais para proteger excessivamente seus próprios integrantes. Em nota, ele afirmou:
“Blindar ministros contra qualquer possibilidade de responsabilização fere a separação de Poderes e enfraquece a República.”
Sóstenes fala em “usurpação de competência” e “reescrita” da República
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), também criticou a iniciativa de Gilmar Mendes, classificando a medida como equivocada e alertando para os riscos institucionais da decisão.
Ele argumentou que, ao centralizar no procurador-geral da República a legitimidade para pedidos de impeachment e, ao mesmo tempo, exigir maioria qualificada para sua admissão, o ministro criou, por conta própria, uma nova regra:
“Cria-se, por decisão monocrática, uma regra inexistente na Constituição e que contraria diretamente a lei de 1950, que prevê que qualquer cidadão pode apresentar a denúncia ao Congresso. Trata-se de usurpação de competência e reescrita unilateral do funcionamento da República.”
Carlos Viana: “não existe guardião acima da própria Constituição”
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) também se manifestou contra a liminar, reforçando a ideia de que a decisão desequilibra a relação entre os Poderes e fere o desenho original do sistema constitucional brasileiro.
Viana destacou que o STF tem o papel de guardião da Constituição, mas não pode se colocar acima dela:
“O Supremo Tribunal Federal tem o papel de guardar a Constituição, mas não existe guardião acima da própria Constituição”, disse o senador.
Ele ainda ressaltou que o Senado Federal não abrirá mão de suas competências:
“O Senado Federal continuará exercendo suas prerrogativas com independência, responsabilidade e absoluto respeito ao texto constitucional. Ao povo brasileiro, reafirmo: nenhuma decisão poderá diminuir o papel do Legislativo quando ele age para proteger a democracia e assegurar que a Constituição valha integralmente para todos.”
NOTA OFICIAL
— Carlos Viana (@carlosaviana) December 3, 2025
A decisão do ministro Gilmar Mendes, ao restringir ao Procurador-Geral da República a legitimidade para solicitar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal, exige uma posição clara em defesa da Constituição e do equilíbrio entre os Poderes da República.…
“Ditadura do Judiciário” e “golpe de Estado”
O tom das críticas subiu ainda mais em outras declarações da oposição. O vice-líder da oposição, deputado Mauricio Marcon (Podemos-RS), afirmou que a “ditadura do Judiciário já é uma realidade”, em referência direta à decisão de Gilmar Mendes.
🚨 Urgente 🚨
— Mauricio Marcon (@Maubmarcon) December 3, 2025
Ditadura do judiciário já é uma realidade! pic.twitter.com/XsOW52eCD8
Nas redes sociais, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) foi ainda mais duro e disse considerar o ato do ministro um verdadeiro “golpe de Estado”, ao entender que a liminar altera, por decisão individual, o equilíbrio entre os Poderes e os limites estabelecidos pela Constituição.
Isso aqui SIM é um GOLPE DE ESTADO pic.twitter.com/0eAot4mvXU
— Gustavo Gayer (@GayerGus) December 3, 2025
Entenda a decisão de Gilmar Mendes
A liminar de Gilmar Mendes, expedida nesta quarta-feira, 3, atingiu pontos centrais da lei do impeachment de 1950 e redefiniu, de forma provisória, o caminho para a responsabilização de ministros do STF. Entre as mudanças, estão:
1. Fim da legitimidade de “qualquer cidadão”
Gilmar suspendeu o artigo da Lei 1.079/1950 que permitia a qualquer cidadão apresentar pedido de impeachment contra ministros do STF ao Senado. Com a liminar, essa legitimidade passa a ser exclusiva da PGR, que se torna a única instituição apta a protocolar a denúncia.
2. Aumento do quórum para abertura do processo
A decisão também estabeleceu que o Senado Federal só poderá aprovar a abertura do processo de impeachment se houver o apoio de dois terços dos senadores, ou seja, 54 votos.
Na prática, isso elimina a possibilidade de maioria simples, que era a interpretação aplicada com base no texto legal anterior.
3. Vedação ao uso de decisões judiciais como fundamento de denúncia
Outro ponto da liminar impede que decisões judiciais de ministros do STF — como votos, despachos ou sentenças — sejam usadas como fundamento direto em denúncias de crime de responsabilidade. Ou seja, divergências quanto ao conteúdo de decisões judiciais não poderão, por si só, servir de base para pedidos de impeachment.
4. Julgamento virtual marcado
O tema ainda será apreciado pelo Plenário do STF, em julgamento virtual marcado para ocorrer entre os dias 12 e 19 de dezembro. Nesse período, os demais ministros irão decidir se confirmam ou derrubam os efeitos da liminar de Gilmar Mendes.
Até lá, porém, a decisão continua valendo, o que reforça a percepção da oposição de que, na prática, houve um movimento para restringir o controle político sobre ministros do Supremo e “reescrever” aspectos sensíveis da ordem constitucional, como vêm afirmando parlamentares críticos à medida.