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Estudo revela novo mecanismo de ação dos corticosteroides no combate à inflamação causada pela Covid-19

Pesquisadores constataram maior produção do endocanabinoide anti-inflamatório natural em pacientes tratados

Desde o início da pandemia de Covid-19, os corticosteroides, também conhecidos como GCs (glicocorticoides), se firmaram como uma das principais opções de tratamento – principalmente nos casos graves – devido aos seus efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores. Agora, pesquisadores brasileiros acabam de descobrir novos mecanismos de ação dessas drogas para controlar a resposta inflamatória do corpo durante a infecção: elas aumentam e diminuem os níveis de eCB (endocanabinóides), moléculas produzidas pelo próprio corpo que se ligam ao mesmo receptor de canabidiol da concentração plasmática de um mediador lipídico conhecido como PAF (fator ativador de plaquetas) que regula a coagulação. Os resultados do estudo foram publicados na revista Viruses.

“Como os endocanabinoides têm funções neurológicas e anti-inflamatórias, nossa ideia era investigar se pacientes com sintomas leves de Covid-19 apresentavam maior proteção graças à produção natural dessas moléculas e se nos casos graves os níveis eram menores, causando inflamação exacerbada e, consequentemente, internações em UTI [Unidade de Terapia Intensiva]”, explica Carlos Arterio Sorgi, professor do Departamento de Química da FFCLRP-USP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) e coordenador do trabalho.

Outro objetivo do estudo, apoiado pela FAPESP (projetos 22/07287-2 e 21/04590-3), foi saber se o PAF estava mais presente nas manifestações mais graves da Covid-19 e estimulava a coagulação e formação de sangue de microtrombos. Para essa análise, o grupo utilizou a infraestrutura do CEQIL (Centro de Excelência em Quantificação e Identificação de Lipídios) da FCFRP-USP (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto), que, com o apoio da Fundação, faz parte do o programa EMU (Multi-User Equipment).

No entanto, usando espectrometria de massa de alta resolução, os pesquisadores observaram o oposto do esperado: pacientes gravemente doentes apresentavam níveis elevados de endocanabinóides e níveis reduzidos de PAF no plasma sanguíneo.

Para entender esses resultados, foi necessário analisar detalhadamente todos os dados de um grande grupo de pacientes com sintomas leves e graves tratados em casa, na enfermaria ou na unidade de terapia intensiva, bem como todos os seus sintomas clínicos e farmacológicos. gerenciamento de parâmetros. Em seguida, testes estatísticos multivariados foram aplicados a essas informações.

“Entendemos, então, que não era a doença a responsável por aumentar os endocanabinoides e diminuir o PAF, mas, sim, o tratamento com os corticoides”, diz Sorgi. “Embora o mecanismo clássico da farmacologia dessa classe de medicamentos já fosse amplamente conhecido, seus efeitos nessas biomoléculas nunca haviam sido demonstrados na literatura.”

A análise do transcriptoma de leucócitos sanguíneos (conjunto de RNAs expressos por essas células de defesa) de pacientes tratados com corticosteróides também mostrou expressão gênica diferencial de monoacilglicerol lipase e fosfolipase A2, mostrando que os corticosteróides podem alterar a atividade de enzimas lipídicas envolvidas no metabolismo do mediadores analisados.

Novos tratamentos

Os resultados abrem possibilidades futuras para tratamentos à base de corticosteroides não apenas para Covid-19, mas também para outras doenças inflamatórias e neurológicas graves. Eles também apontam que os canabinóides – naturais ou artificiais – poderiam funcionar como uma terapia adjuvante. Combinar os efeitos dos dois compostos criaria o melhor cenário possível, acredita Sorgi.

As próximas rodadas de estudos devem incluir pacientes com outras doenças virais, como influenza, para analisar se nesses casos a produção dessas biomoléculas lipídicas também são alteradas pela ação dos corticosteróides. Além disso, será examinado se o organismo mantém a mesma capacidade de produção de endocanabinoides após a vacinação contra a Covid-19 e durante a convalescença da doença.

“Temos interesse ainda em fazer associações com grupos que trabalhem com canabidiol para testes em modelos experimentais animais, já que agora estamos em uma fase diferente da Covid-19”, diz Sorgi.

O trabalho faz parte do consórcio ImunoCovid, que envolve, além do departamento de Química da FFCLRP-USP, os departamentos de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da FCFRP-USP (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto), de Bioquímica e Imunologia, de Cirurgia e Anatomia e de Clínica Médica da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) e de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto).

Também participaram cientistas do Departamento de Genética e Evolução do CCBS-UFSCar (Centro de Ciências Biológicas e da da Universidade Federal de São Carlos), do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto e do ICB-UFAM (Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas). A primeira autoria é dividida por um bolsista FAPESP de Iniciação Científica, Jonatan Constança Silva de Carvalho, uma aluna de doutorado, Diana Mota Toro, e os doutores Pedro Vieira da Silva-Neto, Carlos Alessandro Fuzo e Viviani Nardini, da USP de Ribeirão Preto.


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